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ou desfrute do texto completo a seguir:

Em uma certa tarde de verão, o menino Carl Jung, com 12 anos, estava voltando da escola para casa quando passou em frente a uma catedral em sua cidade, em Basel, na Suíça.

O dia estava lindo, com um belo céu azulado.

Olhando a catedral, Jung deixou sua imaginação o levar, personificando a figura de Deus como um grande homem todo poderoso sentado em um grande trono de ouro, logo acima da igreja, indo em direção aos céus.

Porém, logo em seguida, ele percebeu sua mente indo para os lugares mais nefastos. Ele ficou em desespero, pois havia algo pecador e horrível naquele próximo pensamento que estava prestes a vir.

Ele sentiu que se deixasse sua mente prosseguir naquela fantasia, ele iria pecar terrivelmente contra Deus e tudo que era sagrado nesse mundo.

Por alguns dias, o garoto passou por uma grande angĂșstia e tormento, lutando contra pensar aqueles pensamentos. Seu sono estava perturbado e ele se sentia fisicamente exausto.

Ele se sentia Ă  beira de um pecado imperdoĂĄvel. Um pecado contra o EspĂ­rito Santo.

Finalmente, esgotado, ele percebeu que era inĂștil suprimir tal pensamento, que ele nĂŁo o poderia conter para sempre. Ele realizou que, afinal de contas, foi Deus quem lhe enviou aquela compulsĂŁo. Deus todo poderoso poderia levar aquele pensamento nefasto embora, mas por algum motivo ele nĂŁo o tinha levado ainda.

Parecia ao garoto que Deus gostaria que ele cometesse aquele “pecado sem volta”.

Não havia opção. Ele tinha que deixar acontecer.

Como descrito em sua autobiografia “MemĂłrias, sonhos, reflexĂ”es”, Jung descreve o que aconteceu:

“Reuni toda a coragem, como se fosse saltar nas chamas do Inferno e deixei o pensamento emergir: diante dos meus olhos ergue-se a bela catedral e, em cima, o cĂ©u azul. Deus estĂĄ sentado em seu trono de ouro, muito alto acima do mundo e, debaixo do trono, um cocĂŽ enorme cai sobre o teto novo e colorido da igreja; o cocĂŽ cai tĂŁo forte, que a igreja se despedaça e os muros desabam.”

Logo depois de ter esse pensamento, Jung descreveu que sentiu um alívio imenso, e uma libertação indescritível. Ele diz: “em lugar da danação esperada, a graça descera sobre mim e, com ela, uma felicidade indizível, como jamais conhecera.”

Ele percebeu que tinha descoberto um segredo importantĂ­ssimo sobre a existĂȘncia.

Ele ficou maravilhado como o próprio Deus deixou ele profanar sua própria capela para mostrar que Deus pode ser algo terrível também.

// sagrado VS profano

Pare e observe essa figura:

De cara, sua mente jĂĄ deve ter rotulado o que vocĂȘ viu acima de “quadrado vermelho”. (daltĂŽnicos podem ver outra cor, mas ainda assim saberĂŁo o nome)

Mas..
. quem foi que disse que isso Ă© um quadrado vermelho? đŸ€”

Mais: por que vocĂȘ acredita, e adota isso como verdade?

Em algum momento da existĂȘncia humana, foi dito que isso Ă© um quadrado vermelho, e ponto. Adotamos como convenção.

Seu software mental Ă© programado para, todas as vezes que vocĂȘ enxergar essa figura, vocĂȘ denominar ela de “quadrado vermelho”.

VocĂȘ acessa a mente coletiva e automaticamente faz o “download” dessa convenção.

Agora
. se vocĂȘ fosse imaginar que esse quadrado Ă© bom ou ruim
.

SerĂĄ que vocĂȘ diria que ele Ă© um quadrado “bonzinho”?

Ou Ă© um quadrado “do mal”?

Em algum momento da história humana, a parte sombria foi erradicada das igrejas. Do ensinamento “divino”.

Hoje, a coisa persiste, com o que chamo da “economia da gratidão”.

Onde tudo é luz, paz, amor, coração, harmonia isso e aquilo.

É lindo, Ă© bonito sim.

Mas nĂŁo Ă© real.

Toda a luz Ă© acompanhada de sombra, como o prĂłprio Jung descobriu enquanto menino e desenvolveu em seu trabalho enquanto adulto.

Para ele sentir e imaginar Deus todo poderoso sentado em um trono de ouro, o mesmo Deus todo poderoso tinha que estar cagando em cima da igreja, senĂŁo nĂŁo era real.

Se simplesmente negarmos o lado sombrio da vida ou de Deus, nĂłs simplesmente negamos a prĂłpria vida ou Deus.

O mesmo acontece com nossos pensamentos.

A mente nos assola com pensamentos doentios, de medo, angĂșstia, dor.

E o sofrimento humano ocorre pois a maioria dos seres que se dizem pensantes nesse mundo nĂŁo consegue lidar com suas prĂłprias fantasias.

Em algum lugar na histĂłria humana, assim como adotamos a convenção do “quadrado vermelho”, adotamos tambĂ©m a convenção do que Ă© sagrado ou profano.

Junto com isso, a culpa judaico cristĂŁ, que faz com que todo e qualquer pensamento dito como profano tenha que ser completamente erradicado de nĂłs imediatamente.

Em algum lugar a humanidade perdeu contato com a realidade do mundo e com o “profano”.

É necessĂĄrio entender e aceitar que todo esse universo Ă© criação de Deus.

O “bom” e o “ruim” tambĂ©m.

No capĂ­tulo XI do Bhagavad Ghita, a “bĂ­blia hindu”, o personagem do guerreiro Arjuna, pede a Deus, personificado por Krishna, que se revele, para que ele tenha a experiĂȘncia do todo, uma experiĂȘncia especial, incomum.

Ele imagina que o todo e a forma cĂłsmica de Deus Ă© uma maravilha, linda, bonita, campos de flores. Na ideia dele Ă© uma coisa alegre e feliz que vai preencher o seu vazio.

Para mostrar a forma cĂłsmica, Krishna cresce e tudo o que Arjuna vĂȘ para todos os lados Ă© Krishna. Onde tem a cabeça de Krishna ele vĂȘ varias cabeças diferentes de vĂĄrios seres. No centro do corpo de Krishna ele vĂȘ o momento presente, ele vĂȘ a guerra , o campo de batalha, e vĂȘ a ele mesmo.

Ele enxerga todas as formas de todos os seres, de todos os lugares no passado, no presente e no futuro, acontecendo no mesmo instante.

Ele vĂȘ uma forma cĂłsmica que inclui tudo, e nela enxerga a si mesmo. AtĂ© entĂŁo, ele nĂŁo tinha essa percepção.

Mas agora, com essa experiĂȘncia, ele reconhece que o Todo inclui ele mesmo.

Enxerga as pessoas caminhando em direção a morte e diz: “Eu vejo pessoas caminhado para a morte como as mariposas que vão ao encontro da luz. Eu vejo as pessoas fazendo coisas que vão causar a sua própria destruição”.

Arjuna vĂȘ vĂĄrias bocas e reconhece uma delas ser a boca da morte, “as pessoas estĂŁo entrando naquela boca, elas estĂŁo sendo devoradas pela morte”, diz ele.

Arjuna se desespera e acha aquilo tudo terrĂ­vel, apavorante e assustador, ao mesmo tempo em que Ă© impressionante.

Ele esperava ver algo encantador, lindo, zen, alegre e em paz, mas ele vĂȘ a realidade, que nĂŁo Ă© nem feia nem linda, Ă© apenas a realidade.

Ele diz, “Tendo visto o que jamais foi visto antes, eu estou contente, e minha mente está tremendo de medo. Ó Krishna, abençoe-me.”.

“Eu desejo vĂȘ-lo apenas como antes: com uma coroa, com uma maça, com um disco na mĂŁo. Seja aquela mesma forma de quatro braços, Ăł Krishna”.

Krishna entĂŁo fala:
“Que vocĂȘ nĂŁo tenha medo e que nĂŁo fique confuso ao ver tal forma apavorante como essa minha. Livre de medo, satisfeito, de novo, veja esta minha forma.”

“Assim Krishna, tendo falado desta maneira a Arjuna, de novo mostrou sua forma. E o grande senhor acalmou Arjuna, que estava amedrontado, assumindo de novo sua forma amigável”

E Arjuna disse:
“Vendo esta sua forma humana, ó Krishna, agora eu recuperei a tranquilidade da mente, retornando ao meu estado natural”

// tá
.. mas
. o artigo nĂŁo era sobre “como controlar os meus pensamentos?” đŸ€”

Acalme-se, estamos chegando lĂĄ ;D

HĂĄ alguns trilhĂ”es de anos atrĂĄs, todo o universo era uma grande massa de energia, o “nĂŁo manifesto”, que em algum instante explodiu e deu inĂ­cio ao processo de construção do universo. (o Big Bang)

A mente Ă© um microcosmos do prĂłprio universo, e funciona como o Big Bang:

Ela sempre vai querer “explodir” para todos os lados.

Profano ou sagrado. A escolha nĂŁo Ă© sua.

PorĂ©m, vocĂȘ pode sim, escolher aprender a apenas observar a sua mente, e nĂŁo se identificar com ela.

O lado “sombrio” de Deus, da criação, do universo, ou seja o nome que for confortĂĄvel a vocĂȘ aparece em assuntos mega “Tabu” da sociedade, como sexualidade, violĂȘncia, tortura, ou morte.

Como o próprio garoto Jung descobriu, uma vez que ele simplesmente deixou o pensamento vir, o mesmo não o condenou, mas levou-o a um estado de graça.

Mais tarde, enquanto adulto, Jung disse:

“O que quer que reprimamos ou negamos, nos acontece exteriormente como destino”.

A psique, a totalidade de todas as forças conscientes e inconscientes que controla e influencia a personalidade e toda a nossa vida não pode ser eliminada.

Ela pode ser resistida por um tempo, ignorada, ou pode ser reprimida ou negada, mas, em Ășltima instĂąncia, ela vai percorrer seu caminho.

Portanto, a dica para verdadeiramente controlar seus pensamentos é a simples aceitação de todos eles.

// aceitação radical

Aprendi o termo de “Aceitação Radical” com o livro de mesmo nome de Tara Brach.

Aceitação radical diz respeito a aceitar toda e qualquer faĂ­sca e manifestação de vida que existe em vocĂȘ.

Diz respeito a aceitar a sua mente exatamente como ela Ă©.

A mente é a manifestação sutil da nossa própria natureza.

Divina, maravilhosa, criativa, feliz, mas ao mesmo tempo doentia, sombria, e amedrontadora.

Quanto maior for a sua aceitação dessa natureza dual e universal, maior serå o entendimento de seus medos, para olhar para eles através do amor.

Perceba que aceitar o seu ser completamente, nĂŁo significa que vocĂȘ vai sair no mundo agindo atravĂ©s da sua sombra, ou do macaquinho.

Deixar de reprimir pensamentos nĂŁo significa agir de forma cega.

Por exemplo, uma coisa Ă© vocĂȘ sentir atração sexual pela “mulher do vizinho”.

Outra coisa Ă© vocĂȘ cometer um adultĂ©rio, de fato.

Uma coisa Ă© vocĂȘ brigar com seu sĂłcio, com seu marido, sua mulher e ter pensamentos de Ăłdio, de raiva, de querer socar o outro atĂ© a morte ou separar.

Outra coisa Ă© vocĂȘ socar ou separar, de fato.

Reconhecer a sua sombra nĂŁo significa se identificar totalmente por ela e agir.

Mas ao aceitar esse lado profano, sombrio dentro de vocĂȘ, vocĂȘ se aceita humano.

VocĂȘ aceita a prĂłpria vida e a Deus.

VocĂȘ sente o paradoxo e a dualidade desse mundo.

VocĂȘ percebe a sua imperfeição.

VocĂȘ percebe seus prĂłprios “pecados” e as vontades do macaquinho que existe dentro de vocĂȘ, em modos que de repente nĂŁo sĂŁo aceitos pela sociedade.

E a partir desse entendimento, dessa aceitação, ai sim, vocĂȘ Ă© livre para agir no mundo, de acordo com o ser humano que vocĂȘ quer ser.

De acordo com as suas virtudes e valores.

De acordo com o amor, e nĂŁo a partir do medo.

PorĂ©m, se vocĂȘ apenas negar esses pensamentos, sentimentos e emoçÔes, a coisa vai ficar feia.

Seu corpo vai responder.

VocĂȘ vai entrar em um processo de negação da prĂłpria vida e do mundo.

Se vocĂȘ simplesmente finge que toda essa humanidade nĂŁo existe em vocĂȘ, reprimindo e negando seus desejos, a sua psique vai fazer aquilo acontecer de algum jeito.

E entĂŁo, como Jung diz, “eles (esses pensamentos, sentimentos e emoçÔes negadas) vĂŁo acontecer a vocĂȘ, como obra do destino”.

Seus maiores medos vĂŁo tornar-se realidade.

Seu corpo vai manifestar emoçÔes nĂŁo investigadas em forma de doenças, como cĂąncer, dores de cabeça, enxaquecas
.. dores crĂŽnicas
.

De acordo com Jung, se um desejo ou qualidade nĂŁo Ă© reconhecido como parte de sua prĂłpria psique, mesmo que apenas em forma embrionĂĄria, entĂŁo ele permanece separado do ego e se torna autĂŽnomo.

Isso significa que essa parte da psique fica fora de controle da influĂȘncia moderadora do ego ou da pessoa individual.

Lembra em outros textos da sextaFilosofal em que conversei com as diversas partes da minha psique?

O “general” (o favorito de muitos ;D), o “astronauta explorador”, o “hippie”? A parte “gay”?

Se nĂŁo conversamos com essas partes e deixarmos elas se expressarem, seja em pensamento, sentimento, seja em forma de arte, elas tomam o controle de nosso Hardware BiolĂłgico.

É como se um vírus de computador tomasse conta do nosso sistema operacional.

E uma vez autĂŽnoma, separada da vida do ego individual, essas partes vĂŁo viver a sua prĂłpria jornada e cumprir seu destino, que trarĂĄ ao ser humano a mesmĂ­ssima coisa que foi uma vez reprimida Ă  sua consciĂȘncia, pois a realidade nĂŁo pode ser reprimida ou negada.

E se esses conteĂșdos reprimidos ou inconscientes ganham vida, tenha certeza que nĂŁo serĂĄ de forma madura, integrada, ou moderada.

Serå de forma abrupta, um vulcão em erupção. Ele irå atuar e dramatizar, de uma forma ou de outra.

Portanto, a prĂłxima vez que vocĂȘ se ver tomado(a) por alguma emoção, pensamento ou sentimento nefasto, ao invĂ©s de negĂĄ-lo, deixar para lĂĄ, apenas aceite.

Deixe a sua mente ir longe, aceite, divague, mas sem se identificar.

Lembre-se que sĂŁo sĂł pensamentos.

Convide o que quer que seja a mostrar a vocĂȘ o que ele significa.

VocĂȘ pode se surpreender.

Ou entĂŁo, convide a sua imaginação fĂ©rtil a expressar tudo o que existe dentro de vocĂȘ em forma de arte.

Saia do padrão de vida passiva de ser humano domesticado. Vå além da TV, do smartphone, das redes sociais.

Faça algo de forma ativa.

Pegue um papel, caneta, lĂĄpis de cor. Dance. Cante. Grite!

Experimente cozinhar: sinta o aroma, a textura, novos sabores.

Saia do cabeção.

Conectar com algo além da mente, desenvolver a intuição, é chave para conseguirmos transcender os velhos padrÔes destrutivos que carregamos.

Quando vocĂȘ se entrega Ă  arte, a arte te entrega.

VĂĄ de encontro Ă  sua sombra, nĂŁo negue ela.

Deixe fluir o que quer que esteja acontecendo na sua psique, para ganhar ainda mais consciĂȘncia sobre vocĂȘ e o divino.

Como diria Led Zeppelin, no finalzinho do clĂĄssico Stairway to Heaven:

Em portuguĂȘs:
“E enquanto seguimos pela estrada
Nossas sombras sĂŁo mais altas que a nossa alma.
LĂĄ anda uma senhora que todos nĂłs conhecemos
Que emite uma luz branca e quer mostrar
Como tudo ainda se transforma em ouro.
E se vocĂȘ ouvir com muita atenção
A canção enfim chegarĂĄ atĂ© vocĂȘ
Quando tudo for um e um for tudo
Simplesmente ser uma rocha e não rolar”

E agora
 eu dou espaço para o gĂȘnio Robert Plant terminar:

“And as we wind on down the road
Our shadows taller than our soul.
There walks a lady we all know
Who shines white light and wants to show
How everything still turns to gold.
And if you listen very hard
The tune will come to you at last.
When all are one and one is all
To be a rock and not to roll.”

Seguimos a jornada, com atitude, entrega e amor.
đŸ‘ŠđŸ™â™„

// bibliografia

Abaixo, todas as inspiraçÔes que me fizeram escrever a SF de hoje:
# mĂșsica completa do Led Zeppelin, com tradução
# Artigo de Peter Malakoff (fundador da Ancient Organics) que me levou Ă  histĂłria de Jung
# Artigo complementar sobre o capĂ­tulo XI do Bhagavad Ghita
# “MemĂłrias, Sonhos, ReflexĂ”es”, autobiografia de Carl Jung