Nessa sextaFilosofal, o meu propósito é retratar um dos feitos mais incríveis que aconteceram esse ano.

Em comemoração ao primeiro de abril de 2017, o site Reddit lançou um pequeno experimento:

Deu a todos os seus usuários anônimos uma tela em branco, chamada Place.

As regras eram bem simples:
– cada usuário poderia escolher um pixel entre 16 cores padrão e inseri-lo (“place”) em qualquer lugar dessa tela.
– era possível colocar quantos pixels quisesse com qualquer uma das cores, mas para isso, era necessário esperar alguns minutos entre colocar um pixel e outro.

Nas 72 horas que se seguiram desde que começou o experimento, o que surgiu foi uma expressão máxima da união entre o que há de melhor na arte, tecnologia e humanidade.

Uma obra de arte colaborativa que chocou até mesmo os seus inventores. A partir de uma tela em branco, algumas regras simples, e nenhum plano, surgiu isso:

Cada bandeira, cada meme, cada desenho foi feito por pixels colocados manualmente por milhões de pessoas anônimas pelo mundo inteiro que não tinham nada em comum a não ser uma conexão com a internet.
A pergunta que fica é: COMO?

Como tudo na história desse mundo, foi criado à partir da combinação do que há de melhor e pior no ser humano: ideias, brigas, disciplina, coragem, baralhas, guerras.

Nos bastidores, milhões de pessoas que se uniram em pequenos fóruns e chats online.

Em sua essência, o Place nos ensina sobre as três forças que a humanidade e o universo estão sujeitos:

# os criadores

Logo no começo, como em qualquer lançamento e novidade, o que aconteceu foi aquela bagunça, aquele sentimento de experimentar:
as pessoas foram colocando diversos pixels, sem perspectiva, só por brincar e ver como seria.

Foi divertido, mas logo perceberam que, se quisessem criar qualquer coisa que fosse significativa levaria muito tempo, já que uma pessoa só poderia colocar 1 pixel a cada 5 ou 10 minutos.

Para ir longe, era necessário trabalhar juntos.

Foi quando alguém teve a brilhante idéia de fazer um mapa em grade, que mostrava onde cada um dos pixels deveria ir.

Reflexo do humor adolescente da internet, logo surgiu a ideia de desenhar o “Dickbutt” (não precisa de tradução):

Com a ideia materializada e um plano, logo os “placers” (nome dado aos participantes) começaram a trabalhar e em alguns minutos o Dickbutt se materializou no canto esquerdo da tela.

Graças a esse sucesso inicial, os criadores logo começaram a adicionar mais camadas ao seu Dickbutt, colocando mais membros, cores, e assim aprimorando no que agora estavam chamando de “DickButterfly”:

Ao perceber o sucesso dos criadores, mais pessoas começaram a se organizar em grupos, e logo conseguiram materializar um Charmander no outro canto do Canvas.

Os criadores puristas, percebendo essa outra manifestação de arte, logo começaram a atacar o indefeso Pokémon, e se organizaram a desenhar um membro fálico onde estaria a sua perna.

Alguns criadores tentaram freneticamente “purificar” a arte, tirando o símbolo fálico, mas outros curtiram a ideia e faziam seus esforços para manter essa nova… digamos…. “perna”.

O que começou de forma despretensiosa, logo virou uma pequena guerra.

Esse cenário nos leva à primeira lição do Place, o paradoxo do processo criativo:

Muita liberdade leva ao caos. A criatividade precisa de restrições tanto quanto precisa de liberdade.

# os protetores

Tal como os criadores, outro grupo surgiu no Place, que também não sabia direito qual era seu propósito no começo.

Foram formados grupos por afinidade de cor com o objetivo inicial simples: “tentar conquistar o muuuundo”.

O Canto Azul logo começou a se espalhar como uma praga pelo Place, expandindo rapidamente à partir da direita.

Quase que imediatamente, formou-se o Canto Vermelho do lado esquerdo da tela: seus usuários diziam-se ter uma visão política esquerdista.

Quando os grupos dominados pela cor apareceram, logo tiveram batalhas contra os criadores, e o Charmander foi o primeiro ataque.

Porém, logo houve um questionamento interno pelo Azul por um dos membros:

Será que o papel deles não poderia trocar? Não deveriam eles preservar obras de arte pelo caminho, ao invés de destruí-las? Apenas colocando o pixel azul no ruído que existia ao redor?

Nessa hora, ocorreu um ponto de virada: de mera ambição para dominar o mundo, os azuis encontraram seu lugar e se transformaram em protetores da arte.

# renascimento: a arte floresce

Com os protetores, diversos subforums começaram a surgir, empenhados cada um com seu propósito de criar uma obra de arte no Place:

Começaram a surgir textos de Star Wars, coraçõezinhos de videogame, obras de Van Gogh….

E como não poderia deixar de ser, o poder de cada grupo subiu à cabeça, emplacando as primeiras brigas, como a épica entre a bandeira da Alemanha e da França:

Apesar das eventuais brigas pelo poder, o Place começou a tomar forma, com a arte florescendo à cada canto…. tudo parecia lindo e maravilhoso com tamanha expressão artística!

# os destruidores

É claro que o conto de fadas iria ter fim na realidade do mundo. A zona de conforto dos artistas não durou por muito tempo.

A partir de um site concorrente do Reddit, o 4chan, surgiu a facção do vazio (“Void”).

Com o lema: “o vazio vai consumir”, o vazio não tinha lealdade nenhuma: à arte, à proteção… nada!

Seu único objetivo era: pintar o mundo de negro.

O vazio veio na melhor hora possível: era o chute na bunda que o Place precisava.

Enquanto os criadores já estavam ocupando erroneamente sua energia criativa batalhando uns com os outros, e os protetores ainda estavam “medindo” quão bons eram pela quantidade de tela que tinham, uma nova ameaça, uma ameaça real dessa vez, apareceu bem debaixo de seus narizes. (“winter is heeeeeere!!!!”)

Se fez necessário unir forças em nome da arte.

O vazio foi duro, mas necessário:
obrigados a constantemente sair de suas zonas de conforto, os criadores foram obrigados a se renovarem, fazer sua arte cada vez melhor e maior, obrigando a colaborar melhor entre eles.

Logo perceberam que, para ganhar a batalha contra o vazio, precisavam apenas de uma ideia boa o suficiente, com seguidores o suficiente para acabar com o “monstro negro”.

# o que podemos aprender com o Place?

A tela final do Place é uma expressão linda da arte humana.

Todo o processo e esforço de milhões de pessoas unidas para a fazer acontecer nos mostra um ciclo lindo de arte, vida e morte.

E dentre as diversas analogias que podemos fazer com a nossa própria vida e o universo, é uma lição de simplicidade, consistência, disciplina, criação, destruição, barreiras, obstáculos, trabalho em grupo e propósito:

# a busca pelo nosso propósito de vida é constante, e nunca é o que imaginamos ser. se apenas nos prestarmos a executar, logo a vida mostra o caminho certo a se seguir.

# sozinhos, temos pouco impacto no mundo. mas quando colaboramos, aprendemos a trabalhar em equipe, é possível feitos grandiosos.

# se no meio do caminho surgem novos desafios, a destruição, isso nada mais é do que uma oportunidade para irmos além.

# quando as coisas começam a dar certo, também é um sinal para não nos acomodarmos e ficarmos em constante transformação.

# um time unido, mas sem propósito, e sem vontade de seguir na mesma direção, não prospera.

Além de todas essas analogias, o experimento inusitado do Reddit, usando a tecnologia e a internet ilustra de modo perfeito como funcionam as forças maiores do universo, os quais os antigos textos descrevem a tanto tempo: a Trimurti hindu, composta por Brahma, o criador, Vishnu, o protetor, e Shiva, o destruidor.

Se tirar qualquer uma das 3, o universo não funciona.

Para a luz existir, é necessário as trevas.

Para a vida existir, a morte é necessária.

Para a criação e a arte florescer e prosperar, é necessária a destruição.

A sexta de hoje foi inspirada no artigo em inglês When Pixels Collide

E você? quais foram as reflexões que essa sexta te trouxe? Compartilhe conosco!